domingo, 1 de novembro de 2015

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI POR OCASIÃO DO ENCONTRO COM OS ARTISTAS NA CAPELA SISTINA



Sábado, 21 de Novembro de 2009



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Artistas
Senhoras e Senhores!




É com grande alegria que vos recebo neste lugar solene e rico de arte e de memórias. Dirijo a todos e a cada um a minha cordial saudação, e agradeço-vos por terdes aceite o meu convite. Com este encontro desejo expressar e renovar a amizade da Igreja com o mundo da arte, uma amizade consolidada no tempo, porque o Cristianismo, desde as suas origens, compreendeu bem o valor das artes e utilizou sabiamente as suas multiformes linguagens para comunicar a sua imutável mensagem de salvação. Esta amizade deve ser continuamente promovida e apoiada, para que seja autêntica e fecunda, adequada aos tempos e tenha em consideração as situações e as mudanças sociais e culturais. Eis o motivo deste nosso encontro. Agradeço de coração a D. Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura e da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja por o ter promovido e preparado, com os seus colaboradores, assim como pelas suas palavras que há pouco me dirigiu. Saúdo os Senhores Cardeais, os Bispos, os Sacerdotes e as distintas Personalidades aqui presentes. Agradeço também à Pontifíca Capela Musical Sistina que acompanha este momento significativo. Os protagonistas deste encontro sois vós, queridos e ilustres Artistas, pertencentes a países, culturas e religiões diversas, talvez até distantes de experiências religiosas, mas desejosos de manter viva uma comunicação com a Igreja católica e de não limitar os horizontes da existência unicamente à materialidade, a uma visão redutiva e banalizadora. Vós representais o mundo variegado das artes e, precisamente por isso, através de vós gostaria de fazer chegar a todos os artistas o meu convite à amizade, ao diálogo e à colaboração.


Algumas circunstâncias significativas enriquecem este momento. Recordamos o décimo aniversário da Carta aos Artistas do meu venerado predecessor, o Servo de Deus João Paulo II. Pela primeira vez, na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, este Pontífice, também ele artista, escreveu directamente aos artistas com a solenidade de um documento papal e o tom amistoso de uma conversa entre "quantos – como recita a carta – com apaixonada dedicação, procuram novas "epifanias" da beleza". O mesmo Papa, há vinte e cinco anos, proclamou padroeiro dos artistas o Beato Angélico, indicando nele um modelo de perfeita sintonia entre fé e arte. Depois, o meu pensamento vai ao dia 7 de Maio de 1964, há quarenta e cinco anos, quando, neste mesmo lugar se realizava um histórico acontecimento, fortemente querido pelo Papa Paulo VI para reafirmar a amizade entre a Igreja e as artes. As palavras que pronunciou naquela circunstância ressoam ainda hoje debaixo da abóbada desta Capela Sistina, tocando o coração e o intelecto. "Nós temos necessidade de vós – disse ele –. O nosso ministério precisa da vossa colaboração. Porque, como sabeis, o Nosso ministério é pregar e tornar acessível e compreensível, aliás comovedor, o mundo do espírito, do invisível, do inefável, de Deus. E nesta operação... vós sois mestres. É a vossa profissão, a vossa missão; e a vossa arte é extrair do céu do espírito os seus tesouros e revesti-los de palavra, de cores, de formas de acessibilidade" (Insegnamenti II, [1964], 313). Era tanta a estima de Paulo VI pelos artistas que o estimulou a formular expressões deveras ousadas: "E se a Nós viesse a faltar o vosso auxílio – prosseguia – o ministério tornar-se-ia balbuciente e incerto e teria necessidade de fazer um esforço, diríamos, por se tornar ele mesmo artístico, aliás por se tornar profético. Para se elevar à força de expressão lírica da beleza intuitiva, teria necessidade de fazer coincidir o sacerdócio com a arte" (Ibid., 314). Naquela circunstância, Paulo VI assumiu o compromisso de "restabelecer a amizade entre a Igreja e os artistas", e pediu-lhes que o fizessem seu e o partilhassem, analisando com seriedade e objectividade os motivos que tinham perturbado essa relação e assumindo cada um com coragem e paixão a responsabilidade de um renovado e aprofundado percurso de conhecimento e de diálogo, em vista deum"renascimento"autênticoda arte, no contexto de um novo humanismo.


Aquele histórico encontro, como dizia, aconteceu aqui, neste santuário de fé e de criatividade humana. Não é portanto casual este nosso reencontrar-nos precisamente neste lugar, precioso pela sua arquitectura e pelas suas dimensões simbólicas, mas ainda mais pelos afrescos que o tornam inconfundível, começando pelas obras-primas de Perugino e Botticelli, Ghirlandaio e Cosimo Rosselli, Luca Signorelli e outros, para chegar às Histórias do Génesis e ao Juízo Final, obras excelsas de Michelangelo Buonarroti, que deixou aqui uma das criações mais extraordinárias de toda a história da arte. Ressoou aqui também com frequência a linguagem universal da música, graças ao génio de grandes músicos, que puseram a sua arte ao serviço da liturgia, ajudando a alma a elevar-se a Deus. Ao mesmo tempo, a Capela Sistina é um escrínio singular de memórias, porque constitui o cenário, solene e austero, de eventos que marcam a história da Igreja e da humanidade. Aqui, como sabeis, o Colégio dos cardeais elege o Papa; aqui vivi também eu, com trepidação e absoluta confiança no Senhor, o momento inesquecível da minha eleição para Sucessor do Apóstolo Pedro.


Queridos amigos, deixemos que estes afrescos hoje nos falem, atraindo-nos para a meta última da história humana. O Juízo Final, que sobressai atrás de mim, recorda que a história da humanidade é movimento e elevação, é inesgotável tensão para a plenitude, para a felicidade última, para um horizonte que excede sempre o presente enquanto o atravessa. Mas na sua dramaticidade este afresco coloca diante dos nossos olhos também o perigo da queda definitiva do homem, ameaça que domina a humanidade quando se deixa seduzir pelas forças do mal. Por isso, o afresco lança um forte grito profético contra o mal; contra qualquer forma de injustiça. Mas para os crentes Cristo ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida. Para quem o segue fielmente é a Porta que introduz naquele "face a face", naquela visão de Deus da qual brota já sem limites a felicidade plena e definitiva. Michelangelo oferece assim à nossa visão o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da história, e convida-nos a percorrer com alegria, coragem e esperança o itinerário da vida. A dramática beleza da pintura de Michelangelo, com as suas cores e formas, torna-se portanto anúncio de esperança, convite poderoso a elevar o olhar rumo ao horizonte último. O vínculo profundo entre beleza e esperança constituía também o núcleo essencial da sugestiva Mensagem que Paulo VI enviou aos artistas no encerramento do Concílio Vaticano II, a 8 de Dezembro de 1965: "A todos vós – proclamou solenemente – a Igreja do Concílio diz com a nossa voz: se vós sois os amigos da verdadeira arte, sois nossos amigos!" (Enchiridion Vaticanum, 1, p. 305). E acrescentou: "Este mundo no qual vivemos precisa de beleza para não precipitar no desespero. A beleza, como a verdade, é o que infunde alegria no coração dos homens, é aquele fruto precioso que resiste ao desgaste do tempo, que une as gerações e as faz comunicar na admiração. E isto graças às vossas mãos... Recordai-vos que sois os guardiães da beleza no mundo" (Ibid.).


Infelizmente, o momento actual está marcado não só por fenómenos negativos a nível social e económico, mas também por um esmorecimento da esperança, por uma certa desconfiança nas relações humanas, e por isso crescem os sinais de resignação, agressividade e desespero. Depois, o mundo no qual vivemos corre o risco de mudar o seu rosto devido à obra nem sempre sábia do homem o qual, em vez de cultivar a sua beleza, explora sem consciência os recursos do planeta para vantagem de poucos e não raramente desfigura as suas maravilhas naturais. O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efémero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo.


De facto, uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem um "sobressalto" saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o "desperta" abrindo-lhe de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o. A expressão de Dostoievsky que estou para citar é sem dúvida ousada e paradoxal, mas convida a reflectir: "A humanidade pode viver – diz ele – sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto". Faz-lhe eco o pintor Georges Braque: "A arte existe para perturbar, enquanto a ciência tranquiliza". A beleza chama a atenção, mas precisamente assim recorda ao homem o seu destino último, volta a pô-lo em marcha, enche-o de nova esperança, dá-lhe a coragem de viver até ao fim o dom único da existência. A busca da beleza da qual falo, evidentemente, não consiste em fuga alguma no irracional ou no mero esteticismo.


Mas, com muita frequência, a beleza propagada é ilusória e falsa, superficial e sedutora até ao aturdimento e, em vez de fazer sair os homens de si e de os abrir a horizontes de verdadeira liberdade atraindo-os para o alto, aprisiona-os em si mesmos e torna-os ainda mais escravos, privados de esperança e de alegria. Trata-se de uma beleza sedutora mas hipócrita, que desperta a cupidez, a vontade de poder, de posse, de prepotência sobre o outro e que se transforma, muito depressa, no seu contrário, assumindo o rosto do obsceno, da transgressão ou da provocação gratuita. Ao contrário, a autêntica beleza abre o coração humano à nostalgia, ao desejo profundo de conhecer, de amar, de ir para o Alto, para o Além de si. Se aceitamos que a beleza nos toque intimamente, nos fira, nos abra os olhos, então redescobrimos a alegria da visão, da capacidade de colher o sentido profundo do nosso existir, o Mistério do qual somos parte e do qual podemos haurir a plenitude, a felicidade, a paixão do compromisso quotidiano. João Paulo II, na Carta aos Artistas, cita, a este propósito, este verso de um poeta polaco, Cyprian Norwid: "A beleza serve para entusiasmar para o trabalho, / o trabalho serve para ressurgir" (n. 3). E mais adiante acrescenta: "Enquanto busca da beleza, fruto de uma imaginação que vai além do quotidiano, a arte é, por sua natureza, uma espécie de apelo ao Mistério. Enquanto perscruta as profundezas mais obscuras da alma ou os aspectos mais perturbadores do mal, o artista torna-se de certa forma voz da expectativa universal de redenção" (n. 10). E na conclusão afirma: "A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente" (n. 16).


Estas últimas expressões levam-nos a dar um passo em frente na nossa reflexão. A beleza que se manifesta na criação e na natureza e que se expressa através das criações artísticas, precisamente pela sua característica de abrir e alargar os horizontes da consciência humana, de remetê-la para além de si mesma, de aproximá-la ao abismo do Infinito, pode tornar-se um caminho para o Transcendente, para o Mistério último, para Deus. A arte, em todas as suas expressões, no momento em que se confronta com as grandes interrogações da existência, com os temas fundamentais dos quais deriva o sentido do viver, pode assumir um valor religioso e transformar-se num percurso de profunda reflexão interior e de espiritualidade. Esta afinidade, esta sintonia entre percurso de fé e itinerário artístico, confirma-a um número incalculável de obras de arte que têm como protagonistas as personagens, as histórias, os símbolos daquele imenso depósito de "figuras" – em sentido lato – que é a Bíblia, a Sagrada Escritura. As grandes narrações bíblicas, os temas, as imagens, as parábolas inspiraram numerosas obras-primas em todos os sectores das artes, assim como falaram ao coração de cada geração de crentes mediante as obras do artesanato e da arte local, não menos eloquentes e envolvedoras.


Fala-se, a este propósito, de uma via pulchritudinis, um caminho da beleza que constitui ao mesmo tempo um percurso artístico, estético, e um itinerário de fé, de busca teológica. O teólogo Hans Urs von Balthasar começa a sua grande obra intitulada Glória. Uma estética teológica com estas sugestivas expressões: "A nossa palavra inicial chama-se beleza. A beleza é a última palavra que o intelecto pensante pode ousar pronunciar, porque ela mais não faz do que coroar, como auréola de esplendor inapreensível, o dúplice astro do verdadeiro e do bem e a sua indissolúvel relação". Depois observa: "Ela é a beleza desinteressada sem a qual o velho mundo era incapaz de se entender, mas que se despediu em ponta de pés do mundo moderno dos interesses, para o abandonar à sua cupidez e à sua tristeza. Ela é a beleza que já não é amada e conservada nem sequer pela religião". E conclui: "Quem, em seu nome, enruga os lábios ao sorriso, julgando-a um objecto exótico de um passado burguês, dele se pode estar certo que – secreta ou abertamente – já não é capaz de rezar e, depressa, nem sequer de amar". Portanto, o caminho da beleza conduz-nos a colher o Tudo no fragmento, o Infinito no finito, Deus na história da humanidade. Simone Weil escreveu a este propósito: "Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza, há realmente a presença de Deus. Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza é o sinal. A beleza é a prova experimental de que a encarnação é possível. Por isso qualquer arte de categoria é, por sua essência, religiosa". É ainda mais icástica a afirmação de Hermann Hesse: "Arte significa: dentro de tudo mostrar Deus". Fazendo eco às palavras do Papa Paulo VI, o Servo de Deus João Paulo II reafirmou o desejo da Igreja de renovar o diálogo e a colaboração com os artistas: "Para transmitir a mensagem que lhes foi confiada por Cristo, a Igreja precisa da arte" (Carta aos Artistas, n. 12); mas perguntava logo a seguir: "A arte precisa da Igreja?", solicitando assim os artistas a reencontrar na experiência religiosa, na revelação cristã e no "grande códice" que é a Bíblia uma fonte de inspiração renovada e motivada.


Queridos Artistas, encaminhando-me para a conclusão, gostaria de vos dirigir também eu, como já fez o meu Predecessor, um cordial, amistoso e apaixonado apelo. Vós sois guardiães da beleza; vós tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. Sede portanto gratos pelos dons recebidos e plenamente conscientes da grande responsabilidade de comunicar a beleza, de fazer comunicar na beleza e através da beleza! Sede também vós, através da vossa arte, anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade! E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita! A fé nada tira ao vosso génio, à vossa arte, aliás exalta-os e alimenta-os, encoraja-os a cruzar o limiar e a contemplar com olhos fascinados e comovidos a meta última e definitiva, o sol sem ocaso que ilumina e torna belo o presente.


Santo Agostinho, cantor apaixonado da beleza, reflectindo sobre o destino último do homem e quase comentando ante litteram a cena do Juízo que hoje tendes diante dos vossos olhos, escrevia assim: "Gozaremos, portanto de uma visão, ó irmãos, jamais contemplada pelos olhos, jamais ouvida pelos ouvidos, jamais imaginada pela fantasia: uma visão que supera todas as belezas terrenas, do ouro, da prata, dos bosques e dos campos, do mar e do céu, do sol e da lua, das estrelas e dos anjos; a razão é esta: que ela é a fonte de qualquer outra beleza" (In Ep. Jo. Tr. 4, 5: PL 35, 2008). Desejo que todos vós, queridos Artistas, tenhais nos vossos olhos, nas vossas mãos, no vosso coração esta visão, para que vos dê alegria e inspire sempre as vossas belas obras. Ao abençoar-vos de coração, saúdo-vos, como já fez Paulo VI, com uma só expressão: até breve!



© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana






https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2009/november/documents/hf_ben-xvi_spe_20091121_artisti.html

quarta-feira, 25 de março de 2015

Anunciação do Senhor




Somente Maria, a Mãe de Deus,
foi Virgem e Mãe
e, nestas perfeições,
é Ela somente que nos figura a pureza,
virgindade e maternidade da Igreja.
Esta é virgem porque na sua concepção,
nos seus partos, age o Espírito Santo;
é mãe fecunda pois conta como filhos
todos os destinados à glória.
Maria não é só o tipo e a figura mais perfeita possível da Igreja
para quem se consocia com ela.
É também a mais poderosa medianeira
neste enlace sagrado entre a Igreja
e o seu Esposo.»

Beato Francisco Palau


fonte: Carmelitas Portugal
tela: Estudo Anunciação Henry Ossawa (1898)

quinta-feira, 5 de março de 2015

A Presença Real de Cristo na Eucaristia - Prof. Felipe Aquino

                                                

Desde que Jesus instituiu a Eucaristia na Santa Ceia, a Igreja nunca cessou de celebrá-la, crendo firmemente na presença do Senhor na Hóstia consagrada pelo sacerdote legitimamente ordenado pela Igreja. Nunca a Igreja duvidou da presença real do Corpo, Sangue, Alma e Divindade do Senhor na Eucaristia. Desde os primeiros séculos os Padres da Igreja ensinaram esta grande verdade recebida dos Apóstolos.

São Cirilo de Jerusalém (315-386) assim falava aos fiéis:

“Na cavidade da mão recebe o corpo de Cristo; dize Amém e com zelo santifica os olhos ao contato do corpo santo… Depois aproxima-te do cálice. Dize Amém e santifica-te tomando o sangue de Cristo. A seguir, toca de leve os teus lábios, ainda úmidos, com tuas mãos, e santifica os olhos, a testa e os outros sentidos (ouvidos, garganta, etc.)”

Santo Efrém Sírio (306-444) falava da Eucaristia como “Glória ao remédio da vida”. Santo Agostinho (354-430) a chamava de ” o pão de cada dia, que se torna como o remédio para a nossa fraqueza de cada dia.” E ainda dizia: “Ó reverenda dignidade do sacerdote, em cujas mãos o Filho de Deus se encarna como no Seio da Virgem” . “A virtude própria deste alimento divino é uma força de união que nos une ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros a fim de que nos transformemos naquilo que recebemos”.

São Cirilo de Alexandria (370-444) dizia que ao comungarmos o corpo de Cristo nos transformamos em “Cristóforos”, portadores de Cristo.

Na sua “Profissão de Fé”, o conhecido “Credo do Povo de Deus”, o Papa Paulo VI afirmou:

“Cremos que como o pão e o vinho consagrados pelo Senhor, na Última Ceia, foram mudados no seu Corpo e no seu Sangue, que iam ser oferecidos por nós na Cruz, assim também o pão e o vinho consagrados pelo sacerdote se mudam no Corpo e no Sangue de Cristo glorioso que está no céu, e cremos que a misteriosa presença do Senhor naquilo que misteriosamente continua a aparecer aos nossos sentidos do mesmo modo que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial”. (cf. Dz. Sch. 1651)

Em seguida, Paulo VI deixa claro que se afastam da fé católica aqueles que não aceitam esta verdade.

“Toda explicação teológica que procura alguma inteligência deste mistério deve, para estar de acordo com a fé católica, admitir que na própria realidade, independentemente do nosso espírito, o pão e o vinho cessaram de existir depois da consagração, de tal modo que estão realmente diante de nós o Corpo e o Sangue adoráveis do Senhor Jesus, sobre as espécies sacramentais do pão e do vinho, conforme Ele assim o quis, para se dar a nós em forma de alimento e para nos associar à unidade do seu Corpo Místico”. (cf. S. Th., III, 73, 3)

Com essas palavras o Papa deixou muito claro que a Eucaristia não se trata apenas de um “sinal”, ou “símbolo”, nem mesmo “lembrança”, mas da presença real e substancial do Senhor. Ele ainda acrescenta o seguinte:

“A única e indivisível existência do Senhor glorioso que está no céu não é multiplicada, mas torna-se presente pelo Sacramento, em todos os lugares da terra onde a Missa é celebrada. E permanece presente, depois do sacrifício, no Santíssimo Sacramento, que está no Sacrário, coração vivo de cada uma das nossas igrejas. E é para nós um dulcíssimo dever honrar e adorar na sagrada Hóstia, que os nossos olhos vêem, o Verbo Encarnado, que eles não podem ver e que, sem deixar o céu, se tornou presente no meio de nós.” (Credo do Povo de Deus, Ed. Cléofas, 1998)Na Última Ceia, Jesus foi muito claro: “Isto é o meu corpo”. “Isto é o meu sangue” (Mt 26,26-28). Ele não falou de “símbolo”, nem de “sinal”, nem de “lembrança”.

São Paulo atesta a presença do Senhor na Eucaristia quando afirma:

“O cálice de benção, que bebemos, não é a comunhão do Sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é a comunhão do Corpo de Cristo?” (1Cor 10,16).

E o Apóstolo, que não estava na Última Ceia, recebeu esta certeza por revelação especial do Senhor a ele:

“O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: Tomai e comei; isto é o meu corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Igualmente também, depois de ter ceado, tomou o cálice e disse: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o beberdes”(1Cor 11,23-29).

Sem dúvida a Eucaristia é o maior e o mais belo milagre que o Senhor realizou e quis que fosse repetido a cada Missa, para que Ele pudesse estar entre nós, a fim de nos curar e nos alimentar.

“A Eucaristia é ‘fonte e centro de toda a vida cristã’ (LG,11). Os restantes sacramentos, porém, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a Sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa” (PO,5 e CIC n.1324).

O Catecismo da Igreja nos garante que “Os milagres da multiplicação dos pães… prefiguram a superabundância deste pão único da Eucaristia” (CIC, n.1335).

Tudo o que foi dito até aqui está baseado principalmente nas próprias palavras de Jesus, naquele memorável discurso sobre a Eucaristia, na sinagoga de Cafarnaum, que São João relatou com detalhes no capítulo 6 do seu Evangelho:

“Eu sou o Pão vivo que desceu do céu… Quem comer deste Pão viverá eternamente; e o Pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo… O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia… Porque a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida.”

Não há como interpretar de modo diferente estas palavras, senão admitindo a presença real e maravilhosa do Senhor na Hóstia sagrada.

Lamentavelmente a Cruz e a Eucaristia foram e continuam a ser “pedra de tropeço” para os que não crêem, mas Jesus exigiu até o fim esta fé. Aos próprios Apóstolos ele disse: “Também vós quereis ir embora?” (Jo 6,67). Ao que Pedro responde na fé, não pela inteligência: “Senhor, a quem iremos, só Tu tens palavras de vida eterna”(68). Nunca Jesus exigiu tanto a fé dos Apóstolos como neste momento. E, se exigiu tanto, sem dar maiores esclarecimentos como sempre fazia, é porque os discípulos tinham entendido muito bem do que se tratava, bem como o povo que o deixou dizendo:”Estas palavras são insuportáveis? Quem as pode escutar?” (Jo 6,60).

Também para cada um de nós a Eucaristia será sempre uma prova de fogo para a nossa fé; mas, crendo na palavra do Senhor e no ensinamento da Igreja, seremos felizes.

Quando Lutero pôs em dúvida a presença real e permanente do Senhor na Eucaristia, o Concílio de Trento (1545-1563) assim se expressou:

“Porque Cristo, nosso Redentor, disse que o que Ele oferecia sob a espécie do pão era verdadeiramente o seu Corpo, sempre na Igreja se teve esta convicção que o sagrado Concílio de novo declara: pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue; e esta mudança, a Igreja católica chama-lhe com justeza e exatidão, transubstanciação” (DS, 1642; CIC n.1376).

Acima de tudo é preciso recordar que a Igreja recebeu do Senhor o carisma da infalibilidade em termos de fé e de moral, a fim de não permitir que os seus filhos sejam enganados no caminho da salvação (cf. Jo 14,15.25; 16,12-13). Portanto, o que a Igreja garante há vinte séculos, jamais podemos duvidar, sob pena de estarmos duvidando do próprio Jesus.

Para auxiliar a nossa fraqueza, Deus permitiu que muitos milagres eucarísticos acontecessem entre nós: Lanciano (sec VIII), Ferrara (1171), Orvieto (1264), Offida (1273), Sena (1330 e 1730),Turim (1453), etc., que atestam ainda hoje o Corpo vivo do Senhor na Eucaristia, comprovado pela própria ciência. Há tempos, foi traçado na Europa um “mapa eucarístico”, que registra o local e a data de mais de 130 milagres, metade deles ocorridos na Itália.



fonte: Cleofas

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Beata Isabel da Trindade | 1880 - 1906 A Grandeza da nossa vocação, 3




Esta doutrina de morrer para si mesmo,
que entretanto constitui a lei
de toda a alma cristã,
desde que Cristo disse:
“Se alguém quiser vir após mim
que tome a sua cruz e renuncie a si próprio”,
esta doutrina,
apesar de parecer tão austera,
é duma suavidade deliciosa,
quando se olha para o termo desta morte,
que é a vida de Deus,
colocada em vez da nossa vida
de pecado e de misérias.
É o que São Paulo queria dizer,
quando escrevia:
“Despojai-vos do homem velho
e revesti-vos do novo,
segundo a imagem d’Aquele que o criou.”
Esta imagem é o próprio Deus.»


fonte; Carmelitas Portugal

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – “Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” (Gen. 3, 19).




"Fixemos atentamente o olhar no sangue de Cristo e compreendamos quanto é precioso aos olhos de Deus, seu Pai, esse sangue que, derramado para nossa salvação, ofereceu ao mundo inteiro a graça da penitência.

Percorramos todas as épocas do mundo e verificaremos que em cada geração o Senhor concedeu o tempo favorável da penitência a todos os que a ele quiseram converter-se. Noé proclamou a penitência, e todos que o escutaram foram salvos. Jonas anunciou a ruína aos ninivitas, mas eles, fazendo penitência de seus pecados, reconciliaram-se com Deus por suas súplicas e alcançaram a salvação, apesar de não pertencerem ao povo de Deus.
Inspirados pelo Espírito Santo, os ministros da graça de Deus pregaram a penitência.


O próprio Senhor de todas as coisas também falou da penitência, com juramento: Pela minha vida, diz o Senhor, não quero a morte do pecador, mas que mude de conduta (cf. Ez 33,11); e acrescentou esta sentença cheia de bondade: Deixa de praticar o mal, ó Casa de Israel! Dize aos filhos do meu povo: "Ainda que vossos pecados subam da terra até o céu, ainda que sejam mais vermelhos que o escarlate e mais negros que o cilício, se voltardes para mim de todo o coração e disserdes: 'Pai', eu vos tratarei como um povo santo e ouvirei as vossas súplicas” (cf. Is 1,18; 63,16; 64,7; Jr 3,4; 31,9).

Querendo levar à penitência todos aqueles que amava, o Senhor confirmou esta sentença com sua vontade todo-poderosa.

Obedeçamos, portanto, à sua excelsa e gloriosa vontade. Imploremos humildemente sua misericórdia e benignidade. Convertamo-nos sinceramente ao seu amor. Abandonemos as obras más, a discórdia e a inveja que conduzem à morte.

Sejamos humildes de coração, irmãos, evitando toda espécie de vaidade, soberba, insensatez e cólera, para cumprirmos o que está escrito. Pois diz o Espírito Santo: Não se orgulhe o sábio em sua sabedoria, nem o forte com sua força, nem o rico em sua riqueza; mas quem se gloria, glorie-se no Senhor, procurando-o e praticando o direito e justiça (cf. Jr 9,22-23; ICor 1,31).

Antes de mais nada, lembremo-nos das palavras do Senhor Jesus, quando exortava à benevolência e à longanimidade: Sede misericordiosos, e alcançareis misericórdia; perdoai, e sereis perdoados; como tratardes o próximo, do mesmo modo sereis tratados; dai, e vos será dado; não julgueis, e não sereis julgados; fazei o bem, e ele também vos será feito; com a medida com que medirdes, vos será medido (cf. Mt 5,7; 6,14; 7,1.2).

Observemos fielmente este preceito e estes mandamen­tos, a fim de nos conduzirmos sempre, com toda humildade, na obediência às suas santas palavras. Pois eis o que diz o texto sagrado: Para quem hei de olhar, senão para o manso e humilde, que treme ao ouvir minhas palavras ? (cf. Is 66,2).
Tendo assim participado de muitas, grandes e gloriosas ações, corramos novamente para a meta que nos foi proposta desde o início: a paz. Fixemos atentamente nosso olhar no Pai e Criador do universo e desejemos com todo ardor seus dons de paz e seus magníficos e incomparáveis benefícios."

(Da Carta aos Coríntios, de São Clemente I, papa - Século I)


fonte: khristianós

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

EXEMPLOS PARA EXCITAR OS PADRES A CELEBRAR TODO DIA SALVO CASO DE LEGÍTIMO IMPEDIMENTO




Ó Sacerdote de CRISTO, procedei de tal modo que, antes de tudo, seja simples e pura a vossa intenção, e que só tenhais a DEUS em vista.

Com esta finalidade, renovai ao menos mentalmente antes de começar a Santa Missa, as quatro intenções ensinadas anteriormente, e em vosso memento, depois de feita a aplicação devida, oferecei brevemente o Sacrifício ao altíssimo, para os fins a que foi instituído, Isto é, para honra a DEUS, agradecer-Lhe dar-Lhe reparação, e obter de sua bondade todos os bens.

Ponde em seguida todo o cuidado, a fim de celebrar com o máximo de modéstia, recolhimento, e atenção possível, calmamente, sem vos apressardes, mas empregando todo o tempo necessário para pronunciar bem todas as palavras, para executar integralmente todas as cerimônias com a gravidade e dignidade convenientes. Pois, se as palavras não são bem articuladas e as cerimônias bem feitas, ao invés de excitar a piedade e devoção tornam-se para os assistentes motivo de escândalo.

Isto posto, todo sacerdote deve tomar a firme e constante resolução de celebrar todos os dias a Santa Missa.

Se na Igreja primitiva, os leigos comungavam diariamente, é de crer com mais forte razão que os padres celebravam todos os dias.

Santo André dizia a seu perseguidor: Quotidie Emmolo DEO Agnum immaculatum. “Ofereço diariamente a DEUS, o Cordeiro Imaculado.” E São Cipriano, em uma de suas cartas: Sacerdotes que Sacrificium DEO quotidie immolamus. “Nós sacerdotes, que cada dia oferecemos a DEUS o Sacrifício.”

São Gregório Magno conta que São Cassiano, Bispo de Narni, tinha o costume de celebrar a Santa Missa todos os dias, e que seu capelão recebeu de DEUS a ordem de dizerlhe que fazia muito bem, e quão agradável lhe era a devoção do santo Bispo, estando-lhe reservada grande recompensa no Paraíso.

Ao contrário, os padres que, por negligência, omitem a celebração da Santa Missa, prejudicam imensamente a Igreja, de um modo que ninguém pode calcular.

É bem conhecida a sentença do venerável Beda: Sacerdos que absque legitimo impedimento Missae celebrationem omittit, quantum in ipso est sanctissima Trintatem privat laude et gloria, angelos laetitia, Peccatores vênia, justos asuxilio et gratia, existente in Purgatório subsidio et refrigério, Ecclesiam ipsam ingenti beneficio, et seipsum medicina ey remédio.

“O Sacerdote que, sem um legítimo impedimento, omite a celebração da Santa Missa, em quanto lhe é dado, priva os pecadores, de perdão; os justos, de graça; as almas do Purgatório, de refrigério e socorro; toda a igreja, de imenso beneficio, e enfim a si próprio de medicina e remédio.”

 “Onde encontrareis ladrão tão audacioso que , duma vez, cometa um roubo de tal importância, como este padre que, omitindo sem motivo, a Santa Missa, subtrai tão grandes bens aos vivos, aos mortos e a toda a Igreja? Múltiplas ocupações não constituem desculpa.

” O bem-aventurado Fernando, arcebispo de Granada, e ao mesmo tempo primeiro ministro do reino e, portanto, assoberbado de afazeres, celebrava, ainda assim , diariamente. O Cardeal de Toledo comunicou-lhe que a corte lamentava que, com tantos negócios a atender, celebrasse diariamente. “É justamente por isso, respondeu o servo de DEUS. Já que suas altezas impuseram-me aos ombros fardo tão pesado, não acho, para manter-me, melhor sustentáculo, que o santo Sacrifício da Missa, no qual vou haurir força e coragem para desempenhar minhas funções.

” Muito menos vale para escusar-me uma espécie de humildade como a de São Pedro Celestino. A idéia sublime que ele fazia deste Mistério leva-o a abster-se de celebrar diariamente. Apareceu-lhe, porém, um santo abade e lhe disse severamente: “E que Serafim digno de celebrar encontrareis no Céu? A escolha de DEUS para ministros do Santo Sacrifício não recaiu sobre os Anjos, mas sobre os homens, como tais sujeitos a mil imperfeições. Está bem que vos humilheis; mas celebrai diariamente, que tal é a vontade de DEUS.

” No entanto, para que a freqüência não diminua o respeito, esforçai-vos por imitar estes Santos que se salientaram especialmente pela modéstia e devoção nos santos Mistérios.

O grande e ilustre arcebispo São Herberto celebrava com tão extraordinário fervor, que parecia um Anjo do Paraíso. São Lourenço Justiniano ficava imóvel no altar, seus olhos pareciam rios de lágrimas, e seu espírito se empolgava todo em DEUS. Entre todos, porém, distingue-se São Francisco de Sales; jamais se viu um padre subir ao altar com mais majestade, respeito e recolhimento. Quando se revestia dos ornamentos sagrados, depunha e afastava todo pensamento estranho, e, apenas punha o pé no primeiro degrau do altar, sua fisionomia, em que as refletia o recolhimento de sua alma, assumia uma expressão toda Angélica que deixava encantados os assistentes.

Mas como encontravam estes Santos tantas delícias espirituais na celebração da Santa Missa! É que celebravam como se estivessem em presença de toda a corte celeste. Assim acontecia realmente a São Bonet, Bispo de Clermont. Uma noite em que ficara sozinho na Igreja, apareceu-lhe a Santíssima Virgem rodeada de uma multidão de Santos. Alguns dentre eles perguntaram à augusta Rainha quem devia celebrar a Santa Missa. “Bonet, o meu servo bemamado”, respondeu ela. O santo Bispo, ouvindo pronunciar seu nome, recuou assustado, buscando esconder-se, e a parede de pedra, sobre a qual se apoiou, por um grande milagre, amoleceu; a forma de seu corpo aí ficou impressa e ainda se pode ver. Sua humildade só lhe serviu para o tornar mais digno. Teve de celebrar em presença da Santíssima Virgem, com assistência de todos aqueles cidadãos do Céu. Depois da Santa Missa a Santíssima Virgem Maria, deu lhe uma alva de fulgente brancura e de estofo tão fino como não se pode encontrar nenhum comparável.

Ainda hoje se venera esta alva como preciosa relíquia. Com que modéstia, pergunto-vos, com que recolhimento e amor não terá ele celebrado aquela Santa Missa?

Se este exemplo, entretanto, vos parece por demais extraordinário, imitai então a conduta do glorioso São Vicente Ferre. Diariamente ele celebrava a Santa Missa, antes de pregar a um inumerável auditório.

Ora, duas coisas ele levava ao santo altar: uma soberana pureza de alma e uma extremada compostura exterior. Para conseguir a primeira, confessava-se cada manhã; e eis o que quisera de vós, ó sacerdote que buscai a maior honra de DEUS, ao celebrar os santos Mistérios.

É espantoso que alguns empreguem meia hora lendo livrinhos em preparação ao santo Sacrifício, enquanto que um curto exame e um ato de viva contrição sobre qualquer pecado da vida passada se não houver outra matéria, bastar-lhe-ia para adquirir grande pureza de coração. Esta é a preparação mais perfeita que poderíeis fazer para a Santa Missa: confessar-vos, o mais que puderdes, todas as manhãs.

Bani todo escrúpulo e não desprezeis o conselho que vos dou. Oh! Que messe abundante de méritos amontoaríeis então! Como me agradeceríeis ao encontrar-nos na bemaventurança eterna!

Para alcançar a segunda, o Santo queria que o altar fosse ornamentado com magnificência; exigia extremo asseio nos paramentos e vasos sagrados. Confesso que a pobreza de muitas igrejas escusa-as de possuir paramentos ricos, bordados a ouro e seda; quem pode, porém, dispensar o asseio e a decência convenientes? Zelo tão ardente pelos Santos Mistérios animava o seráfico São Francisco, que, apesar de seu amor à santa pobreza, queria os altares mantidos em perfeita limpeza, e mais ainda os sagrados paramentos que diretamente servem ao Divino Sacramento. Ele mesmo punha-se muitas vezes a varrer as igrejas.

São Carlos, em suas ordenações, mostra-se tão exigente em coisas que podem parecer mesquinhas minúcias, que, na verdade é de admirar.

Para terminar, a augusta Mãe de JESUS, nosso DEUS, quis pessoalmente fazer-nos compreender esta necessidade, quando em uma aparição a Santa Brígida, disse: “Missa dicinon, debet nisi in ornamentis mundis.” “Não se deve celebrar a Santa Missa senão com paramentos convenientes, que inspirem devoção por seu asseio e decência.”

Antes de terminar este parágrafo, resta dizer algo a respeito do ministro que serve à Santa Missa. Em nossa época dá-se aos meninos e a ignorantes este encargo, de que nem os próprios reis seriam dignos. Diz São Boaventura que é um mister angélico, pois muitos Anjos assistem ao Santo Sacrifício e servem a DEUS neste santo mistério.

A gloriosa Santa Mectilde viu a alma de um irmão leigo envolta em deslumbrante claridade por ter-se empregado com extremo fervor em servir em todas as Santas Missas que pudera.

São Tomás de Aquino, o sol da Escolástica, conhecia bem o valor inestimável deste ofício de servir no divino Sacrifício, e não se dava por satisfeito se, depois de ter celebrado a Santa Missa, não ajudava outra.

São Tomás More, chanceler da Inglaterra, punha suas delícias nesta santa função; e certo dia, admoestado por um grande do reino que lhe avisava de que o rei Henrique veria com desprazer ação tão pouco digna dum primeiro ministro, respondeu: “Não pode segredar a meu senhor, o rei, que eu sirva o Senhor de meu rei, o qual é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores.”

Aí está o bastante parta confundir essas pessoas, às vezes até piedosas, a quem é preciso pedir d suplicar para que ajudem à Santa Missa, quando deveriam porfiar e apoderarse do missal a fim de ter a honra de desempenhar emprego tão santo que faz inveja aos próprios Anjos e Santos do Paraíso.

Importa, evidentemente, velar com cuidado para que os que ajudam à Santa Missa sejam bem instruídos quanto a seu papel.

Devem manter os olhos baixos, uma atitude modesta e piedosa; cumpre-lhes pronunciar as palavras, distintamente, docemente, em voz não baixa demais, que o sacerdote não os ouça, nem por demais alta, que incomode os que celebram nos altares próximos.

Dever-se-ia, outrossim, excluir certos meninos muito levianos, que brincam e fazem barulho e perturbam o recolhimento do sacerdote. Rogo a DEUS que inspira aos homens prudentes dedicarem-se a este ofício tão santo e louvável. Competiria aos mais nobres a aos mais instruídos dar este belo exemplo.


fonte: trecho do Livro "As excelências da Santa Missa" escrito por São Leonardo de Porto Maurício (1737)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Bento XVI, Homilia, Quarta-feira de Cinzas, 13 de Fevereiro de 2013


Hoje, Quarta-feira de Cinzas, começamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se estende por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a morte. [...]

As Leituras proclamadas oferecem-nos sugestões que somos chamados a fazê-las tornar-se, com a graça de Deus, atitudes e comportamentos concretos nesta Quaresma. A Igreja propõe-nos, em primeiro lugar, o forte apelo que o profeta Joel dirige ao povo de Israel: «Mas agora diz o Senhor, convertei-vos a mim de todo o coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos» (2, 12). Começo por sublinhar a expressão «de todo o coração», que significa a partir do centro dos nossos pensamentos e sentimentos, a partir das raízes das nossas decisões, escolhas e acções, com um gesto de liberdade total e radical. Mas, este regresso a Deus é possível? Sim, porque há uma força que não habita no nosso coração, mas emana do próprio coração de Deus. É a força da sua misericórdia. […]

Na página do Evangelho de Mateus, que pertence ao chamado Sermão da Montanha, Jesus faz referência a três práticas fundamentais previstas pela Lei mosaica: a esmola, a oração e o jejum; mas são também indicações tradicionais, no caminho quaresmal, para responder ao convite de «converter-se a Deus de todo o coração». Mas Jesus põe em evidência aquilo que qualifica a autenticidade de cada gesto religioso, dizendo que é a qualidade e a verdade do relacionamento com Deus. Por isso, denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer dar nas vistas, as atitudes que buscam o aplauso e a aprovação. O verdadeiro discípulo não procura servir-se a si mesmo ou ao «público», mas ao seu Senhor com simplicidade e generosidade: «E teu Pai, que vê o oculto, há-de recompensar-te» (Mt 6, 4.6.18). Então o nosso testemunho será tanto mais incisivo quanto menos procurarmos a nossa glória, cientes de que a recompensa do justo é o próprio Deus, permanecer unido a Ele, aqui nesta terra, no caminho da fé e, no fim vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para sempre (cf. 1 Cor 13, 12)


fonte: news.va/pt

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A cruz, exemplo de todas as virtudes - Santo Tomás de Aquino





Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos fazer.
Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males em que incorremos por causa dos nossos pecados.
Mas não é menor a utilidade que tem como exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar toda a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição, basta que despreze o que Cristo desprezou na cruz e deseje o que Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude está ausente da cruz.

Se queres um exemplo de caridade: Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Assim fez Cristo na cruz. E se Ele deu a vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por Ele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente. Reconhece-se uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque sofrendo não ameaçava; e como ovelha levada ao matadouro, não abriu a boca. É grande portanto a paciência de Cristo na cruz: corramos com paciência para a prova que nos é proposta, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé, que em lugar da alegria que lhe era proposta suportou a cruz, desprezando-lhe a ignomínia.

Se queres um exemplo de humildade, olha para o crucifixo: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.


* Dos Comentários de São Tomás de Aquino, presbítero
(Collatio 6 super Credo in Deum) (Sec. XIII)
fonte: news.va/pt
Quadro: Santo Tomás ante à Cruz - Sassetta (1423)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A Comunhão Eucarística na Mão - D. Estevão Bettencourt, osb.




Em síntese: A Comunhão Eucarística foi ministrada nas mãos dos comungantes até o século IX. Verifica-se, porém, abusos e irreverências, que levaram a Igreja a preferir dar a Eucaristia na boca dos fiéis. Em nossos dias a praxe antiga foi restaurada sob certas condições, que visam a garantir o respeito ao Ssmo. Sacramento. Uma Declaração recente da Santa Sé enfatiza o direito, dos fiéis, de receber a Comunhão na boca desde que o desejem.

Foi proposta à Congregação para a Culto Divino a seguinte pergunta: “Nas dioceses em que é permitido distribuir a Comunhão nas mãos dos fiéis, pode o sacerdote ou o ministro extraordinário da S. Eucaristia obrigar os comungantes a receber a Comunhão nas mãos e não sobre a língua?”

Eis a resposta publicada no boletim Notitiae (março-abril de 1999), órgão oficial da Congregação para o Culto Divino: “Dos documentos da Santa Sé depreende-se claramente que nas dioceses em que o pão eucarístico é depositado nas mãos dos fiéis, a estes fica absoluta monte garantido o direito de receber sobre a língua. Aqueles que obrigam os comungantes a receber a santa Comunhão unicamente nas mãos como também aqueles que recusam aos fiéis a Comunhão nas mãos nas dioceses que utilizam tal indulto, procedem contrariamente às normas estabelecidas.

Segundo as normas referentes à distribuição da Santa Comunhão, estejam os ministros ordinários e extraordinários particularmente atentos a que os fiéis consumam imediatamente a partícula consagrada, de modo que ninguém se afaste com as espécies eucarísticas nas mãos.

Em todo caso, é para desejar que todos tenham presente que a tradição secular consiste em receber a Comunhão sobre a língua. O sacerdote celebrante, caso exista perigo de sacrilégio, não dê a Comunhão nas mãos dos fiéis e exponha-lhes as razões por que assim precede”.
(Notitiae nº 392.393/1999)

Este texto nos dá a ocasião de percorrer as grandes linhas da história da Comunhão na mão.

1. A Praxe mais antiga

Nos primeiros séculos, a Comunhão era colocada sobre a palma da mão dos fiéis para que a consumissem. Excetuavam-se apenas os casos de enfermidades, em que era freqüentemente depositada sobre a língua do comungante.

O Mais antigo testemunho que se tem a tal respeito, é uma inscrição encontrada na Ásia Menor, dita “de Pectório” e datada do século II. Eis os seus dizeres simbolistas: “Ó estirpe divina do Peixe Celeste… recebe o alimento doce como o mel do Salvador dos santos; come segundo a tua fome; traze o Peixe nas mãos”.

Nesta passagem, o “Peixe” designa simbolicamente o Senhor Jesus. Sabe-se que o Peixe (em grego, ICHTHYS) é antiquíssimo símbolo de Cristo, pois as cinco letras gregas que compõem este nome são as iniciais de uma profissão de fé em Cristo:

J(esous) = Jesus

CH(ristós) = Cristo

TH(eou) = de Deus

Y(iós) = Filho

S(otér) = Salvador

No séc. III, o escritor cristão Tertuliano, no norte da África, repreendia irmãos que tinham sacrificado aos deuses, dizendo que tais cristãos se atreviam a “estender ao corpo do Senhor as mesmas mãos que haviam levado corpos (carnes imoladas) aos demônios… Ó mãos dignas de ser amputadas!” (De idol.7).

Um dos mais belos depoimentos sobre o rito de Comunhão na antigüidade é o de São Cirilo de Jerusalém (+ 381), do que vai transcrita aqui uma passagem dirigida a cristãos adultos, que se preparavam para participar pela primeira vez do mistérios eucarístico: “Quando te aproximares, não caminhes com as mãos estendidas ou os dedos separados, mas faze com a esquerda um trono para a direita, que está para receber o Rei; e logo, com a palma da mão, forma um recipiente; recolhe o corpo do Senhor, e dize: “Amém”. A seguir, santifica com todo o cuidado teus olhos pelo contato do Corpo Sagrado, e toma-o. Contudo cuida de que nada caia por terra, pois, o que caísse, tu o perderias como se fossem teus próprios membros. Responde-me: se alguém te houvesse dado ouro em pó, não o guardarias com todo o esmero e não tomarias cuidado para que não te caísse das mãos e para que nada se perdesse? Sendo assim, não deves com muito esmero cuidar de que não caia nem uma migalha daquilo que é mais preciso do que o ouro e as pedras preciosas?” (Catequese Mistagógica V 21 s).

Esta instrução do santo Bispo de Jerusalém dá-nos a saber que no século IV os fiéis não somente recebiam a S. Eucaristia na palma da mão, mas também a partícula sagrada sobre os olhos a fim de se santificar.

Outros depoimentos mais ou menos contemporâneos ao de S. Cirilo confirmam o uso de se entregar a Comunhão na palma da mão direita do comungante, ficando a esquerda por baixo desta. Em vista disso, havia uma bacia no adro das grandes basílicas para que os fiéis lavassem as mãos ao entrar no recinto litúrgico.

Em muitos lugares, era prescrito que os comungantes colocassem sobre a palma da mão uma pequena toalha branca (dominicale) a fim de receber aí o Corpo do Senhor.

O uso de passar a Eucaristia sobre os olhos e outros órgãos dos sentidos parece ter tido origem entre os sírios. Foi provavelmente inspirado pelo texto de Ex 12, 7, em que Moisés, propondo o ritual da Páscoa judaica, mandava ungir com o sangue do Cordeiro pascal as ombreiras e as vergas das portas das casas dos israelitas. Estes dizeres, interpretados alegoricamente, terão sugerido a praxe de consagrar os sentidos dos comungantes mediante o pão eucarístico.

Em certos lugares, os fiéis beijavam a partícula sagrada recebida em suas mãos.

2. Os Desvios

A partir do século IV, aconteceu que a devoção popular se foi tornando cada vez mais exuberante no uso da S. Eucaristia depositada nas mãos dos comungantes.

Segundo um costume antigo, os cristãos, coma devida autorização dos Bispos, levavam o pão consagrado para casa a fim de comungar nos dias da semana em que não houvesse Missa. Todavia, de posse da S. Eucaristia em suas residências, os fiéis cediam facilmente à tendência de utilizar o sacramento para finalidades várias, nem sempre consentâneas com o espírito cristão. Assim, no séc. V, por exemplo, S. Agostinho referia que uma mulher costumava fazer, com a S. Eucaristia, compressas para seu filho cego (cf. Opus Imperfectum contra lulianum III 162).¹

Quem partia em viagem, freqüentemente levava consigo uma partícula da S. Eucaristia como penhor de proteção e boa viagem. Isto se dava principalmente nos casos de travessia marítima.

S. Ambrósio (+ 397), por exemplo, refere o seguinte episódio ocorrido no século IV: Sem irmão Sátiro, ainda catecúmeno, viajava da África setentrional para a Itália, quando foi vítima de tremenda tempestade em alto mar. Vendo-se em perigo iminente de morte, Sátiro dirigiu-se aos companheiros de viagem que ele sabia ser cristãos, e pediu-lhes colocassem numa pequena toalha um fragmento da S. Eucaristia, atassem entre si as quatro pontas da toalha e lhe prendessem ao pescoço esse precioso depósito. Assim munido, atirou-se ao mar, sem mesmo cuidar de levar consigo uma tábua de salvação; julgava-se suficientemente protegido pela S. Eucaristia, podendo dispensar qualquer socorro humano. A coragem de Sátiro não foi frustrada: enquanto os marujos perdiam ânimo, ele conseguiu escapar do naufrágio e sobreviver (cf. S. Ambrósio, De excessu fratris sui Satyri l 44).

Este episódio atesta claramente o uso de se levar a S. Eucaristia em viagem; Sátiro, com toda a boa fé, utilizou-a para se livrar do perigo de morte; os cristão que com ele viajavam, atenderam com presteza ao pedido de Sátiro, como se julgassem muito compreensível o plano do companheiro catecúmeno.

Documentos posteriores atestam que a partícula sagrada era não raro pendurada ao pescoço dos fiéis, aos leitos, às paredes de casa, aos cofres, como se fora um amuleto, um feitiço dotado de poderes quase mágicos ou um motivo de profilaxia contra doenças, desgraças, inimigos, etc. – A função da “Eucaristia-alimento” ia sendo esquecida.

Estes fenômenos se devem, em grande parte, ao fato de que, no século IV, tendo os Imperadores Romanos concedido paz e liberdade à Igreja, as conversões para o Cristianismo se efetuavam em grande escala e de maneira por vezes brusca; conseqüentemente, os novos cristãos ainda guardavam consigo traços da sua antiga mentalidade, muito dada à superstição. Não era fácil às autoridades da Igreja extirpar o uso popular de amuletos e símbolos semelhantes.

Em vista dos vários abusos cometidos com a S. Eucaristia, os Concílios regionais, desde o século IV, foram admoestando os fiéis. Tenham-se em vista, por exemplo, o Concílio de Saragoça (Espanha) em 380 (cân. 3) e o l de Toledo (Espanha), que em 400 assim legislava:

“Se alguém não consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote, seja expulso como um sacrílego” (cân. 14).

Pouco tempo depois, no Oriente o historiador Sozômeno consignava um curioso abuso: Em Constantinopla, o bispo São João Crisóstomo (+ 407) pregava com grande êxito e vultosas multidões. Havia na cidade uma facção de hereges ditos “Macedonianos” (adeptos de Macedônio, que negava a Divindade do Espírito Santo). Certa vez, um membro dessa facção viu-se de tal modo impressionado pelos sermões de São João Crisóstomo que, ao voltar à casa, intimou sua esposa a se fazer católica com ele. A mulher, porém, não lhe deu ouvidos, pois o círculo de suas amigas e detinha no grupo herético. Declarou então o marido: “Se não receberes, juntamente comigo, os divinos mistérios (= S. Eucaristia), já não poderás continuar a ser minha consorte”. – Receber a S. Eucaristia era, sim, segundo a mentalidade da época, o sinal mais expressivo de adesão à S. Igreja.

A mulher, intimidade pela ameaça do marido, prometeu satisfazer-lhe. Concebeu um plano, que ela comunicou a uma serva de toda confiança, e dirigiu-se com o esposo e a doméstica para a igreja católica. Na hora da Comunhão, aproximaram-se do altar. A mulher, tendo recebido na mão a partícula eucarística, baixou a cabeça como se a quisesse adorar e consumir. Nesse momento, porém, a serva, previamente instruída, passou-lhes às mãos outra partícula de pão, ou seja, o pão que em anterior ocasião lhe fora distribuído na assembléia de culto dos macedonianos e que ela havia secretamente levado de casa para a igreja católica. Assim a esposa macedoniana julgou poder evitar rixas com seu marido, sem contudo violentar a sua própria consciência.

Tal episódio é expressão das circunstâncias da vida cristã nos séculos IV/V. O que nos interessa aí realçar, é o desvirtuamento da S. Eucaristia entregue às mãos da pessoa comungante.

Casos análogos poderiam ser colhidos na literatura cristã da antigüidade e do início da Idade Média.

Conscientes dos abusos, as autoridades eclesiásticas foram recomendando que nas assembléias eucarísticas se desse a S. Comunhão na boca dos fiéis, à semelhança do que se fazia na administração do mesmo sacramento aos enfermos. Em consequência, no século IV já devia ser quase geral o costume de se depositar a S. Eucaristia não sobre a mão, mas sobre a língua dos fiéis. O concílio de Ruão (França), por exemplo, baixava por volta de 878 a seguinte norma geral: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” (cân. 2).

Nos séculos X/XI o “Ordo VI” (Cerimonial para Missas pontificais) guardava um vestígio do antigo uso, estipulando que aos presbíteros e diáconos fosse dada a Eucaristia nas mãos; aos subdiáconos, porém, na boca. Em breve, porém, tal exceção também caiu em desuso.

A nova prescrição se generalizou justamente na mesma época (século IX), em que também se difundiu no Ocidente o uso do pão ázimo como matéria do sacramento, em lugar do pão fermentado: o pão ázimo aderia mais facilmente à língua do que os fragmentos (em geral, grandes) de pão fermentado, que anteriormente se usava para a Comunhão.

O emprego do pão ázimo prevaleceu no Ocidente por razões diversas: o respeito cada vez maior ao SS. Sacramento, e o conseqüente desejo de diferenciar o pão eucarístico do pão profano; o intuito de usar o pão mais branco e belo possível…; os textos bíblicos (os relatos da Última Ceia do Senhor, a passagem de S. Paulo em 1Cor 5, 7s; os costumes do Antigo Testamento formulados em Lv 2, 4.11; 6, 9; Ml 1, 11…).

Na Alta Idade Média e em épocas posteriores, ainda se encontram testemunhos de que os fiéis esporadicamente, ou em raras ocasiões, recebiam a Comunhão nas mãos.

3. A Legislação vigente

A renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio do Vaticano II levou a restaurar o uso da Comunhão na mão dentro de circunstâncias adequadas para se evitarem os inconvenientes registrados no decorrer da história.

Em 05/03/1975 Santa Sé concedeu aos Bispos do Brasil e faculdade de permitirem a Comunhão na mão em suas respectivas dioceses, desde que sejam observadas as seguintes normas:

“1. Cada Bispo deve decidir se autoriza ou não em sua Diocese a introdução do novo rito, e isso com a condição de que haja preparação adequada dos fiéis e se afaste todo perigo de irreverência.

2. A nova maneira de comungar não deve ser imposta, mas cada fiel conserve o direito de receber a Comunhão na boca, sempre que preferir.

3. Convém que o novo rito seja introduzido aos poucos, começando por pequenos grupos, e precedido por uma adequada catequese. Esta visará a que não diminua a fé na presença eucarística, e que se evite qualquer perigo de profanação.

4. A nova maneira de comungar não deve levar o fiel a menosprezar a Comunhão, mas a valorizar o sentido de sua dignidade de membro do Corpo Místico de Cristo.

5. A hóstia deverá ser colocada sobre a palma da mão do fiel, que a levará à boca antes de se movimentar para voltar ao lugar. Ou então, embora por várias razões isto nos pareça menos aconselhável, o fiel apanhará a hóstia na patena ou no cibório, que lhe é apresentado pelo ministro que distribui a Comunhão, e que assinala seu ministério dizendo a cada um a fórmula: “O Corpo de Cristo”. É, pois, reprovado o costume de deixar a patena ou o cibório sobre o altar, para que os fiéis retirem do mesmo a hóstia, sem apresentação por parte do ministro. É também inconveniente que os fiéis tomem a hóstia com os dedos em pinça e, andando, a coloquem na boca.

6. É mister tomar cuidado com os fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas.

7. Nunca é permitido colocar na mão do fiel a hóstia já molhada no cálice”.

Estas normas se acham na carta datada de 25/03/75, pela qual a Presidência da Conferência Nacional dos Bispos transmita a cada Bispo as instruções da Santa Sé. A mesma carta ainda observava o seguinte: “Só mediante o respeito destas sábias condições, poderemos aguardar os frutos que todos desejam desta medida.

A experiência da distribuição da Comunhão na mão, em vários pontos do país, revelou pontos negativos, que deverão ser cuidadosamente eliminados. Assim, alguns ministros deram na mão do fiel a hóstia já molhada no cálice, enquanto outros, para ganhar tempo, colocaram na própria mão várias hóstias, fazendo-as escorregar rapidamente, uma a uma, nas mãos dos fiéis, como quem distribui balas às crianças”.

Vê-se que a Santa Sé enfatiza o máximo cuidado para que não haja profanação da S. Eucaristia nem ocorram irreverências. Entre outras diretrizes, merecem especial atenção as seguintes: não se deve comungar andando, mas quem recebeu na mão a partícula sagrada, afasta-se para o lado (a fim de deixar a pessoa seguinte aproximar-se) e, parado comungue. Cada comungante trate de verificar se não ficou na palma da mão ou entre os dedos alguma parcela de pão consagrado (em caso positivo, deve consumi-la).

É lícito comungar duas vezes no mesmo dia se, em ambos os casos, o fiel participe da S. Missa (cânon 917).
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¹ O pão eucarístico levado para casa tinha, em grego, o nome de hygieia, “pão da saúde”, “broa da saúde”. Notemos que em muitos lugares, tanto no Oriente como no Ocidente, se consagrava pão fermentado, igual ao pão de mesa, e não pão ázimo; um e outro tipo de pão são matéria válida para o sacramento.

D. Estevão Bettencourt, osb.

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 457 – Ano 2000 – Pág. 273


fonte: cleofas.com.br