quinta-feira, 4 de abril de 2019

Numa experiência estética, na criação ou na contemplação de uma obra de arte, a consciência psicológica é capaz de atingir alguma das suas mais altas e perfeitas realizações. A arte nos dá o poder de achar-nos e de perder-nos, ao mesmo tempo. A mente que reage aos valores intelectuais e espirituais ocultos num poema, numa pintura, ou numa peça musical, descobre uma vitalidade que a levanta acima de si mesma, que a tira fora de si, e a faz presente a si mesma em um nível de ser que ela não se sabia capaz jamais de atingir.

A alma que se ocupa de si, espiando-se apartada numa estúpida análise reflexa, chega a um estado de consciência que é um tormento e uma desfiguração da nossa personalidade integral. Mas o espírito que, na intensidade e pureza da sua reação diante de uma obra artística, se descobre a si mesmo em um nível superior, é de um modo fecundo e sublime, que atinge a esse estado de consciência subjetiva. Ela descobre em si capacidades totalmente novas de pensamento, visão e ação moral. Sem nenhuma análise reflexa, ela descobriu-se a si mesma ao descobrir a própria capacidade para responder a um valor que a suspende acima do seu nível normal. A sua própria reação a torna melhor e diferente. Ela é cônscia de uma nova vida e de novos poderes, e não é de estranhar que se aplique a proceder ao seu desenvolvimento.

É importante, na vida de oração, ser capaz de corresponder a esses relâmpagos de intuição estética. Arte e oração não foram jamais concebidas pela Igreja como inimigas, e onde a Igreja foi austera, foi somente porque ela teve em vista insistir na diferença essencial entre arte e divertimento. A austeridade, a gravidade, a sobriedade e a força do canto gregoriano, da arquitetura cisterciense do século XII, da escrita carolíngia em minúsculas, tem muito a dizer sobre a vida de oração, e tiveram no passado uma grande influência na formação da oração e da consciência religiosa de muitos santos. E sempre o conseguiram à medida que livraram as almas de concentrar-se em si mesmas, e de especular apenas sobre valores técnicos nas artes e na ascética. Qualquer um pode ser ao mesmo tempo especialista de canto e homem de oração, mas em geral não coincidem os momentos de oração e de crítica musical.

Se a Igreja deu ênfase ao papel da arte na sua oração pública, é que reconheceu necessária ao conjunto da vida e do culto cristão uma forte e autêntica formação estética. O que se espera da liturgia, do canto e da arte sacra, é que formem e espiritualizem a consciência humana, conferindo-lhe um caráter e uma madureza sem a qual a sua oração não pode normalmente ser muito profunda, nem muito ampla, nem muito pura.

Só há uma razão para que isso seja completa verdade: a arte não é um fim em si. Ela introduz a alma numa ordem espiritual mais alta, que ela exprime e, em certo sentido, também explica. A música, a arte, a poesia, afinam a alma com Deus, porque induzem uma espécie de contato com o Criador e Senhor do Universo. O gênio do artista atinge, pela simpatia criadora, a uma co-naturalidade com a lei viva que rege o universo. Esta lei não é mais que a secreta gravitação de todas as coisas para Deus como para o seu centro. Como toda a arte autêntica descobre nos abismos da nossa natureza a ação desta lei, ela nos torna sensíveis ao tremendo mistério do ser, em que nós, com tudo o que mais vive e existe, saímos das profundezas de Deus, e a Ele de novo voltamos. Uma arte que não desempenhe este papel não é digna deste nome.


Thomas Merton
(Homem algum é uma ilha)
(pontos 6 e 7 do capítulo III Consciência, Liberdade e Oração)
Editora Agir