Coroação de Nossa Senhora, fachada da catedral de Reims.
Os anjos fazem de assistentes da cerimônia.
Primeiramente, a Idade Média tinha paixão pela ordem. Os medievais organizaram a arte como tinham organizado o dogma, o aprendizado temporal e a sociedade. A representação artística de temas sagrados era uma ciência regida por leis fixas, que não podia ser quebrada pelos ditames da imaginação individual.
A arte da Idade Média é uma escritura sagrada, cujos caracteres todo artista deve aprender. Ele deve saber que a auréola circular colocada por trás da cabeça serve para expressar a santidade, enquanto a aureola com uma cruz é o sinal da divindade e sempre usada para pintar qualquer uma das três Pessoas da Santíssima Trindade.
A segunda característica da iconografia medieval é a obediência às regras de uma espécie de matemática sagrada. Posição, agrupamento, simetria e número são de extraordinária importância.
A simetria era considerada a expressão de uma misteriosa harmonia interior. O artista fazia o paralelismo dos doze Patriarcas e dos doze Profetas da Antiga Lei e dos doze Apóstolos da Nova, e dos quatro principais Profetas com os quatro Evangelistas.
Esquemas desse tipo pressupõem uma crença fundamentada no valor dos números. E, de fato, a Idade Média nunca duvidou que os números tivessem relação com o poder divino, oculto a nossos olhos.
São Lucas Evangelista é representado pelo boi.
Catedral de Reims, detalhe da fachada. O boi era sacrificado no Templo de Jerusalém e São Lucas nos fala dos sofrimentos que padeceu Nosso Senhor
Esta doutrina vinha dos Padres da Igreja, que a herdaram das escolas antigas e fez reviver o gênio de Pitágoras. É evidente que Santo Agostinho considerava os números como os pensamentos de Deus.
Em muitas passagens ele afirma que cada número tem seu significado divino. “A Sabedoria Divina é refletida nos números e está impressa em todas as coisas”.
Da mesma forma, o edifício do mundo material e do mundo moral está baseado nos números eternos.
Nós sentimos que o encanto da dança está no ritmo, quer dizer, no número; mas temos de ir mais longe, a beleza é em si uma cadência, um número harmonioso. A ciência dos números então é a ciência da ordem do universo, e os números nos ensinam sua ordem profunda.
Alguns exemplos nos fornecem certa ideia do método. De Santo Agostinho em diante todos os teólogos interpretaram o significado do número doze da mesma forma.
Doze é o número da Igreja universal, e foi por razões profundas que Jesus quis que o número de Seus apóstolos fosse doze. Agora, doze é o produto de três vezes quatro.
Apóio para as leituras sagradas, catedral de Reims. Ouvindo a palavra de Deus, a alma deve se elevar aos Céus como a águia que levanta vôo.
Três, que é o número da Trindade e, por conseqüência, da alma feita à imagem da Trindade, simboliza todas as coisas que são espirituais. Quatro, o número de elementos, é o símbolo de coisas materiais – o corpo e o mundo – que resultam de combinações dos quatro elementos.
O significado místico da multiplicação de três por quatro é a infusão do espírito na matéria, de proclamar as verdades da fé para o mundo, para estabelecer a Igreja Católica, de que os Apóstolos são o símbolo.
Os Doutores que comentaram a Bíblia nos ensinam que, se Gedeão partiu com trezentos companheiros, não foi sem alguma razão simbólica e que o número esconde um mistério.
Em grego, trezentos é representado com a letra Tau (T). Mas o T é a figura da Cruz; portanto, por trás de Gedeão e de seus companheiros, devemos ver Cristo e a Cruz.
A Divina Comédia de Dante é o exemplo mais famoso, pois está ordenada em função de números. Os nove círculos do inferno correspondem aos nove terraços do monte do Purgatório e aos nove céus do Paraíso.
Nesse poema inspirado, nada foi deixado apenas à inspiração; Dante determinou que cada parte de sua trilogia deveria ser dividida em trinta e três cantos, em homenagem aos 33 anos da vida de Cristo. Dante aceitava a lei que rege os números como um ritmo divino, ao qual o universo obedece.
O Simbolismo divino na Arte e na natureza visto pela Idade Média
Rosácea lateral da catedral de Chartres: resumo da ordem do Universo
com Cristo Rei no centro.
A terceira característica da arte medieval reside no fato de que ela é um código simbólico.
Desde o tempo das catacumbas [nos dias da perseguição romana], a arte cristã falava por meio de figuras, ensinando os homens a verem por detrás de uma imagem uma outra coisa superior.
O artista, segundo o imaginavam os Doutores da Igreja, deve imitar a Deus, que sob a letra da Escritura escondeu um profundo significado, e que queria que a natureza também servisse de lição para o homem.
O anjo (no alto à esquerda) segura o braço de Abraão
que vai sacrificar seu filho Isaac, prefigura do sacrifício do Calvário.
Catedral de Chartres
Tal concepção de arte implica uma visão profundamente idealista do esquema do universo, e a convicção de que tanto a história quanto a natureza devem ser consideradas como grandes símbolos.
Podemos fazer uma tentativa de entender a visão medieval do mundo e da natureza.
O que é o mundo visível? Qual é o significado das miríadas de formas de vida?
O que devia pensar da Criação, o monge contemplando em sua cela, ou o Doutor meditando no claustro da catedral antes de sua palestra?
É apenas aparência, ou realidade?
A Idade Média foi unânime na sua resposta: o mundo é um símbolo.
Assim como a ideia da obra reside antes na mente do artista, da mesma maneira o universo estava na mente de Deus desde o início.
Deus criou, mas criou através da Sua Palavra, ou seja, através de Seu Filho.
O mundo, portanto, pode ser definido como “um pensamento de Deus realizado através da Palavra”.
São João Batista anuncia o Cordeiro de Deus: Cristo
Catedral de Chartres
Se isto é assim, então em cada ser se esconde um pensamento divino; o mundo é um livro escrito pela mão de Deus, no qual toda criatura é uma palavra carregada de significado.
O ignorante vê as formas – as letras misteriosas – sem compreender nada do seu significado, mas o sábio, a partir do visível, se eleva ao invisível, e na leitura da natureza lê os pensamentos de Deus.
O verdadeiro conhecimento, então, não consiste no estudo das coisas em si mesmas – as formas exteriores –, mas em penetrar no significado profundo delas, que Deus pôs para a nossa instrução.
Desse modo, nas palavras de Honório de Autun, “cada criatura é uma sombra da verdade e da vida”.
Todo ser manifesta em suas profundezas um reflexo do sacrifício de Cristo, a imagem da Igreja, das virtudes e dos vícios.
O mundo material e o mundo espiritual refletem uma só e derradeira realidade.
(Autor: Émile Mâle, The Gothic Image: Religious Art in France of the Thirteenth Century, New York, Harper, 1958, pp 1-2, 5, 9-15, 29).
Fonte: Glória da Idade Média/Khristianós
Coroação de Nossa Senhora, fachada da catedral de Reims. Os anjos fazem de assistentes da cerimônia. |
Primeiramente, a Idade Média tinha paixão pela ordem. Os medievais organizaram a arte como tinham organizado o dogma, o aprendizado temporal e a sociedade. A representação artística de temas sagrados era uma ciência regida por leis fixas, que não podia ser quebrada pelos ditames da imaginação individual.
A arte da Idade Média é uma escritura sagrada, cujos caracteres todo artista deve aprender. Ele deve saber que a auréola circular colocada por trás da cabeça serve para expressar a santidade, enquanto a aureola com uma cruz é o sinal da divindade e sempre usada para pintar qualquer uma das três Pessoas da Santíssima Trindade.
A segunda característica da iconografia medieval é a obediência às regras de uma espécie de matemática sagrada. Posição, agrupamento, simetria e número são de extraordinária importância.
A simetria era considerada a expressão de uma misteriosa harmonia interior. O artista fazia o paralelismo dos doze Patriarcas e dos doze Profetas da Antiga Lei e dos doze Apóstolos da Nova, e dos quatro principais Profetas com os quatro Evangelistas.
Esquemas desse tipo pressupõem uma crença fundamentada no valor dos números. E, de fato, a Idade Média nunca duvidou que os números tivessem relação com o poder divino, oculto a nossos olhos.
São Lucas Evangelista é representado pelo boi. Catedral de Reims, detalhe da fachada. O boi era sacrificado no Templo de Jerusalém e São Lucas nos fala dos sofrimentos que padeceu Nosso Senhor |
Esta doutrina vinha dos Padres da Igreja, que a herdaram das escolas antigas e fez reviver o gênio de Pitágoras. É evidente que Santo Agostinho considerava os números como os pensamentos de Deus.
Em muitas passagens ele afirma que cada número tem seu significado divino. “A Sabedoria Divina é refletida nos números e está impressa em todas as coisas”.
Da mesma forma, o edifício do mundo material e do mundo moral está baseado nos números eternos.
Nós sentimos que o encanto da dança está no ritmo, quer dizer, no número; mas temos de ir mais longe, a beleza é em si uma cadência, um número harmonioso. A ciência dos números então é a ciência da ordem do universo, e os números nos ensinam sua ordem profunda.
Alguns exemplos nos fornecem certa ideia do método. De Santo Agostinho em diante todos os teólogos interpretaram o significado do número doze da mesma forma.
Doze é o número da Igreja universal, e foi por razões profundas que Jesus quis que o número de Seus apóstolos fosse doze. Agora, doze é o produto de três vezes quatro.
Três, que é o número da Trindade e, por conseqüência, da alma feita à imagem da Trindade, simboliza todas as coisas que são espirituais. Quatro, o número de elementos, é o símbolo de coisas materiais – o corpo e o mundo – que resultam de combinações dos quatro elementos.
Em muitas passagens ele afirma que cada número tem seu significado divino. “A Sabedoria Divina é refletida nos números e está impressa em todas as coisas”.
Da mesma forma, o edifício do mundo material e do mundo moral está baseado nos números eternos.
Nós sentimos que o encanto da dança está no ritmo, quer dizer, no número; mas temos de ir mais longe, a beleza é em si uma cadência, um número harmonioso. A ciência dos números então é a ciência da ordem do universo, e os números nos ensinam sua ordem profunda.
Alguns exemplos nos fornecem certa ideia do método. De Santo Agostinho em diante todos os teólogos interpretaram o significado do número doze da mesma forma.
Doze é o número da Igreja universal, e foi por razões profundas que Jesus quis que o número de Seus apóstolos fosse doze. Agora, doze é o produto de três vezes quatro.
Apóio para as leituras sagradas, catedral de Reims. Ouvindo a palavra de Deus, a alma deve se elevar aos Céus como a águia que levanta vôo. |
Três, que é o número da Trindade e, por conseqüência, da alma feita à imagem da Trindade, simboliza todas as coisas que são espirituais. Quatro, o número de elementos, é o símbolo de coisas materiais – o corpo e o mundo – que resultam de combinações dos quatro elementos.
O significado místico da multiplicação de três por quatro é a infusão do espírito na matéria, de proclamar as verdades da fé para o mundo, para estabelecer a Igreja Católica, de que os Apóstolos são o símbolo.
Os Doutores que comentaram a Bíblia nos ensinam que, se Gedeão partiu com trezentos companheiros, não foi sem alguma razão simbólica e que o número esconde um mistério.
Em grego, trezentos é representado com a letra Tau (T). Mas o T é a figura da Cruz; portanto, por trás de Gedeão e de seus companheiros, devemos ver Cristo e a Cruz.
A Divina Comédia de Dante é o exemplo mais famoso, pois está ordenada em função de números. Os nove círculos do inferno correspondem aos nove terraços do monte do Purgatório e aos nove céus do Paraíso.
Nesse poema inspirado, nada foi deixado apenas à inspiração; Dante determinou que cada parte de sua trilogia deveria ser dividida em trinta e três cantos, em homenagem aos 33 anos da vida de Cristo. Dante aceitava a lei que rege os números como um ritmo divino, ao qual o universo obedece.
O Simbolismo divino na Arte e na natureza visto pela Idade Média
Rosácea lateral da catedral de Chartres: resumo da ordem do Universo com Cristo Rei no centro. |
Desde o tempo das catacumbas [nos dias da perseguição romana], a arte cristã falava por meio de figuras, ensinando os homens a verem por detrás de uma imagem uma outra coisa superior.
O artista, segundo o imaginavam os Doutores da Igreja, deve imitar a Deus, que sob a letra da Escritura escondeu um profundo significado, e que queria que a natureza também servisse de lição para o homem.
O anjo (no alto à esquerda) segura o braço de Abraão que vai sacrificar seu filho Isaac, prefigura do sacrifício do Calvário. Catedral de Chartres |
Podemos fazer uma tentativa de entender a visão medieval do mundo e da natureza.
O que é o mundo visível? Qual é o significado das miríadas de formas de vida?
O que devia pensar da Criação, o monge contemplando em sua cela, ou o Doutor meditando no claustro da catedral antes de sua palestra?
É apenas aparência, ou realidade?
A Idade Média foi unânime na sua resposta: o mundo é um símbolo.
Assim como a ideia da obra reside antes na mente do artista, da mesma maneira o universo estava na mente de Deus desde o início.
Deus criou, mas criou através da Sua Palavra, ou seja, através de Seu Filho.
O mundo, portanto, pode ser definido como “um pensamento de Deus realizado através da Palavra”.
São João Batista anuncia o Cordeiro de Deus: Cristo Catedral de Chartres |
O ignorante vê as formas – as letras misteriosas – sem compreender nada do seu significado, mas o sábio, a partir do visível, se eleva ao invisível, e na leitura da natureza lê os pensamentos de Deus.
O verdadeiro conhecimento, então, não consiste no estudo das coisas em si mesmas – as formas exteriores –, mas em penetrar no significado profundo delas, que Deus pôs para a nossa instrução.
Desse modo, nas palavras de Honório de Autun, “cada criatura é uma sombra da verdade e da vida”.
Todo ser manifesta em suas profundezas um reflexo do sacrifício de Cristo, a imagem da Igreja, das virtudes e dos vícios.
O mundo material e o mundo espiritual refletem uma só e derradeira realidade.
(Autor: Émile Mâle, The Gothic Image: Religious Art in France of the Thirteenth Century, New York, Harper, 1958, pp 1-2, 5, 9-15, 29).
Fonte: Glória da Idade Média/Khristianós
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